Traição virtual e indenização por danos morais – é possível requerer ?

Maria namorava João. Eles combinaram de assistir juntos a um seriado que estava muito em voga há alguns anos atrás. Deveriam assistir cada qual aos mesmos capítulos, nos mesmos dias, no mesmo ritmo, e desse modo terminariam o último capítulo juntos para ver o desfecho tão aguardado.

Assim, começaram a assistir à primeira temporada a par e passo, até que, um belo dia, João omitiu que assistiu até a terceira, deixando Maria prá trás e sustentando por longo período a sabotagem. Poxa.., ele terminou bem antes dela os episódios… Já sabia a conclusão das temporadas e fazia-se de surpreso a cada novo comentário!

A moça não mais estava ocupando a posição de parceira, de companheira para todas as horas. De repente, não havia mais graça contar com o outro…! Não havia mais parceria verdadeira e, tampouco confiança total como antes!

Ora, este é um exemplo bem pequeno, quase pueril acerca de uma situação cotidiana, de praticamente nenhuma consequência, onde se observa uma atitude que pode ser considerada banal na categoria “traição”, ou “sabotagem da confiança”, mas já incomoda.. Você se incomodaria?

Imagine então caro(a) leitor(a), numa dimensão muito mais ampla, o choque causado pela descoberta de que seu parceiro(a) permanece por horas e horas sonhando o sonho de desconhecidos, e compartilhando intimidades, fotos, segredos e desejos que até então imaginava-se que seriam objeto apenas do interesse privado do casal?

Diante deste quadro onde existe sofrimento e decepção, seria então de se presumir o cabimento de ação judicial para pagamento de eventual indenização por danos morais?

Vejamos adiante:

É muito grande o número de mulheres, e até mesmo homens, que nos procuram no escritório para falar de um fenômeno que passou a fazer parte de casamentos (muitas vezes até recentes e aparentemente preservados): trata-se da traição virtual.

Numa busca frenética pelo estabelecimento de relações em redes sociais, as pessoas muitas vezes se expõem via internet além da medida e de maneira inconsequente, inobstante o fato de manterem seus compromissos sacramentados no mundo real. É como se nunca alcançassem a satisfação plena, vivenciassem eterna necessidade de experimentar mais uma busca, talvez um novo momento de desfrute, a incontrolavel excitação de uma nova conquista de paquera, a elaboração de mais uma fantasia, e tudo isso em detrimento daquele relacionamento já constituído e que permanece no plano da realidade, o que se pressupõe, é claro, que venha acompanhado de alegrias, mas também de dificuldades. Qual relacionamento não apresenta desafios?

É bem verdade que a internet propiciou a aproximação de pessoas em todo mundo e, com certeza, criando novas formas de interação entre elas, através da utilização de vídeos, áudios, transmitindo-se toda forma possível de erotização sem que exista contato físico. Todavia, se não existe comum acordo ajustado pelo casal acerca da utilização desta via para o estabelecimento de relações extraconjugais, como ocorre em relacionamentos ditos “abertos”, é certo que não poderá ser considerada esperável e nem mesmo aceitável essa prática, em razão da simples facilidade de acesso com que se apresenta e da aparente inexistência de efeitos nocivos.

A busca pelo sexo livre e seguro, aliada à evolução desta via de facilitação de contato com pessoas ao simples toque dos dedos, trazendo um mundo de fantasias que em segundos passa a se descortinar, passou a ser uma marcante característica da revolução trazida pela evolução da internet.

Surgem assim relacionamentos os extra conjugais virtuais, que embora pareçam não existir, passam a ter consequências mentais e seus efeitos certamente poderão ser reais. É pela chamada “infidelidade virtual”, onde acontece o desrespeito à dignidade do cônjuge traído, a quebra das promessas firmadas no matrimônio e do dever de fidelidade.

Esse tema tem gerado uma calorosa discussão entre operadores do Direito: Será que a infidelidade no plano virtual pode ser considerada como uma violação ao dever recíproco de fidelidade entre cônjuges?

Na opinião de importantes juristas, é evidente o retrocesso daqueles que concluem que a infidelidade virtual não seria descumprimento desse dever de fidelidade por inexistir relação sexual no plano virtual. Há muito o direito evoluiu para concluir que na infidelidade importa a busca de satisfação sexual fora do par conjugal e não a relação sexual propriamente dita..

O comportamento ofensivo, que magoa, fere e principalmente, que EXPÕE o outro e  decorre dessa infidelidade, ofende diretamente aos direitos da personalidade da vítima.

Há decisões judiciais que dão conta de que a infidelidade virtual não só pode ser considerada como uma violação aos deveres conjugais mas pode, inclusive, acarretar na possibilidade de o seu causador ser obrigado à reparação de eventuais danos morais sofridos.

A indenização por dano moral tem por objetivo principal a proteção a esses direitos, torna-se indiscutível a sua aplicação nessas situações.

É muito importante esclarecer que é necessária a completa comprovação da acusação de conduta infiel, e isso pode ser feito a partir do registro de conversas, mensagens, gravações e vídeos, e então deverá o Juiz analisar as consequências causadas à vítima, bem como a intensidade do constrangimento e da dor sofrida, além das condições econômicas dos envolvidos, para quantificar o quantum indenizatório.

São Paulo, 13 de fevereiro de 2017

Compartilhar notícia: Facebook Twitter Pinterest Google Plus StumbleUpon Reddit RSS Email

Comentários